GREVE DOCENTE DE 2012 É UM VIGOROSO
MOVIMENTO CONTRA O SINDICALISMO DE ESTADO NA VIDA UNIVERSITÁRIA
Roberto Leher – UFRJ
Marcelo Badaró Mattos - UFF
Um
espectro daninho ronda o sindicalismo brasileiro há mais de oitenta anos: o
sindicato de Estado. Um morto, como veremos, muito vivo! Em todos os países que
viverem ditaduras fascistas ou aparentadas ao fascismo e que adotaram modelos
sindicais corporativistas (de sindicalismo vertical, sindicato único,
umbilicalmente ligado e controlado pelo Estado), o sindicalismo de Estado foi
superado nos processos de redemocratização. No Brasil, pelo contrário, esse
zumbi sobreviveu a dois processos de redemocratização, distantes 40 anos no
século XX. A razão fundamental para a manutenção da estrutura do sindicato
oficial está em sua funcionalidade para a classe dominante brasileira.Não é
pouco significativo o fato – inerente a sua lógica de funcionamento
– de que tal estrutura se sustenta e é sustentada por uma casta de dirigentes
sindicais burocratizados, que fazem do sindicalismo meio de vida e atuam, antes
de mais nada, para manterem-se à frente do aparato objetivando o usufruto do
poder e das vantagens materiais que ele oferece.
Entre
fins dos anos 1970 e meados dos anos 1980 ocorreu um forte impulso pela
autonomia sindical. As oposições sindicais e os trabalhadores que empreenderam
lutas realizaram uma dura crítica à estrutura do sindicalismo de Estado. Esta
fase de retomada das mobilizações da classe trabalhadora brasileira na luta
contra a ditadura militar ficou conhecida como “novo sindicalismo”. Como outras
categorias, especialmente do funcionalismo público, os docentes universitários
fundaram sua organização de caráter sindical – ANDES (depois da Constituição de
1988, ANDES-SN) – naquele contexto, e mantiveram com muita ênfase seu
compromisso com um modelo sindical autônomo, combativo e classista, mesmo
quando (a partir dos anos 1990) o “novo sindicalismo” viveu um nítido refluxo.
Entretanto,
o peleguismo do sindicalismo oficial, um verdadeiro gato de sete vidas, se
imiscuiu entre os docentes de ensino superior a partir dos anos 2000, como
sempre puxado pela mão do Estado paternal sempre disposto a tutelar os
trabalhadores considerados um contingente “sempre criança” . O espectro ganhou
um nome, que alguns por superstição, outros por aversão, se recusam a
pronunciar, mas que, como todo fantasma de verdade (sic) não
desaparecerá simplesmente se fecharmos os olhos fingindo que ele não existe.
Tratamos do PROIFES.
Algo
muito interessante, no entanto, está acontecendo em meio à greve de inéditas
proporções que está em curso nas Instituições Federais de Ensino Superior.
Professores de todo o país, particularmente naquelas Universidades em que o
sindicalismo docente foi envolvido na rede do peleguismo oficialista,
demonstram, inapelavelmente, a falta de legitimidade da entidade fantasma.
O sindicato para-oficial entre os
docentes
As
extraordinárias assembleias gerais dos professores de universidades e
institutos tecnológicos neste momento dirigidos por setores vinculados à
entidade para-governamental, reunindo, como na UFG, a maior quantidade de
professores em uma AG da categoria, revelam que os docentes das universidades
brasileiras não estão passivos e dóceis diante da vergonhosa tentativa de
tutela governamental sobre a livre organização dos trabalhadores docentes.
Longe de ser um fato isolado, o mesmo esta acontecendo nas universidades
federais do Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte e em campi da UFSCAR e em IFETs.
Esses
acontecimentos dizem respeito, em primeiro lugar, a compreensão dos professores
de que a sua representação política tem de ser autônoma em relação ao governo e
ao Estado e que a estreita simbiose entre a organização dita sindical
para-oficial e o governo é deletéria para a carreira, os salários e as
condições de trabalho na universidade. Mas a afirmação da independência
política dos docentes nas referidas assembleias tem uma importância acadêmica,
pois é uma condição para a autonomia universitária. Não pode haver autonomia da
universidade se o governo controla ate mesmo a representação política dos
docentes. É possível dizer, portanto, que a afirmação da autonomia dos
professores é um gesto crucial para a história da universidade pública
brasileira!
A história da
entidade fantasma nas Universidades é recente, mas ilustra muito bem como
funciona o sindicalismo de Estado no Brasil. Após sucessivas derrotas nas
eleições para o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino
Superior (ANDES-SN), parcela da chapa derrotada foi alçada pelo então ministro
da educação Tarso Genro à condição de representante dos docentes das IFES e, desde
então, obteve lugar cativo na assessoria do governo, notadamente no MPOG e no
MEC.
O
sindicalismo de Estado que fincou raízes entre nós tem origem no período
varguista. A investidura sindical, uma carta de
reconhecimento do sindicato pelo ministério do trabalho que confere
legalidade a suas prerrogativas de negociação e representação, acrescida do
imposto sindical compulsório e da unicidade sindical, criaram as condições para
a sua institucionalização no Brasil, conformando o sindicato oficialista. De
inspiração fascista, objetiva assegurar a tutela governamental sobre os
trabalhadores, valendo-se de prepostos, os pelegos que, nutridos por benesses e
prebendas governamentais, servem de caixa de ressonância para as razões dos
donos do poder.
As
bases jurídicas para tal estrutura sindical não foram suprimidas, antes disso,
são revitalizadas pelas grandes centrais oficialistas que, a despeito de
algumas críticas retóricas ao imposto sindical, caso da CUT, se movimentam de
modo feroz para provocar desmembramentos de categorias (um requisito em virtude
da unicidade e da presunção do apoio governamental) para obter maior fatia dos
R$ 2,5 bilhões (total do imposto sindical em 2011) distribuídos entre as 6
centrais sindicais e o MTE.
O
oficialismo também é nutrido pelos generosos dutos do Fundo de Amparo ao
Trabalhador, fundo que arrecadou R$ 50 bilhões em 2011 e que, desde 1990, vêm
repassando centenas de milhões para as centrais oficialistas ofertarem cursos
de qualificação profissional que, a rigor, podem estruturar uma poderosa
máquina política representando, em ultima instância, os tentáculos dos patrões
e dos seus governos nas organizações supostamente dos trabalhadores.
O
processo de cooptação e subordinação do sindicalismo de Estado se completa com
a participação dos sindicatos oficialistas nos fundos de pensão, que movimentam
bilhões de reais e, para seguirem existindo, precisam valorizar as suas ações
adquiridas nas bolsas de valores em nome da capitalização da aposentadoria dos
cotistas. Entre as principais formas de valorização das ações, os gestores dos
fundos incentivam privatizações, fusões e, o que pode ser considerado o núcleo
sólido, as reestruturações das empresas, por meio de demissões,
terceirizações e generalização da precarização do trabalho. Em suma, a
valorização do portfólio de ações requer que o fundo dito dos trabalhadores se
volte contra os direitos dos demais trabalhadores!
É
indubitável que os setores dominantes podem contar com trincheiras defendidas
de modo incondicional pelos referidos gestores dos fundos e pela burocracia
sindical alimentada pelo imposto sindical, pelo FAT e, no caso das entidades
menores, até mesmo por contratos de prestação de serviços de assessoria ao governo
financiados pelo próprio governo!
Diploma do ministério e mão do Estado
X Legitimidade
É
irônico observar que com Lula da Silva – o sindicalista que se destacou entre
1978 e 1980 pelas críticas duras à estrutura sindical oficial – na presidência
da República, o sindicalismo de Estado ganhou novo fôlego. Foi justamente em
seu governo que as centrais sindicais, que em sua origem, nos anos 1980,
nasceram a contrapelo da estrutura, foram incorporadas ao sindicalismo
vertical, ocupando o topo daquela mesma estrutura montada pelo regime de Vargas
nos anos 1930 e reformada pelo governo do ex-sindicalista nos anos 2000. E seus
dirigentes passaram a ocupar postos centrais na estrutura do governo,
particularmente na área do trabalho e gestão do funcionalismo.
Considerando
os objetivos dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff de empreenderem uma
profunda reforma sindical e trabalhista, a retomada do protagonismo dos
professores nas universidades em que as seções sindicais estão aparelhadas pela
entidade para-oficial é um grande acontecimento para a organização autônoma dos
trabalhadores. Isso porque, por sua fidelidade aos princípios que nortearam o
impulso original do “novo sindicalismo”, o ANDES-SN sempre constituiu um
contraexemplo muito incômodo para o peleguismo dominante.
É
impossível prever o desfecho da greve dos docentes de 2012 na altura em que
redigimos este texto. No entanto, uma conquista já está assegurada. Ao votarem
pela adesão ao movimento nas instituições cujas entidades foram aprisionadas
pelo sindicato de carimbo, os docentes reconhecem a legitimidade do ANDES-SN e
de sua busca constante por um sindicalismo autônomo e combativo. Diante da
força da greve não há recurso ao ministério do trabalho, assessoria ao ministério
da educação, “mãozinha” do ministério do planejamento, ou apadrinhamento da CUT
que possam injetar vida nesse filhote tardio do morto-vivo sindicato de Estado
brasileiro. É difícil dizer se ao fim do processo assistiremos ao enterro
definitivo da entidade fantasma pois, no quadro do sindicalismo brasileiro,
como nos filmes de terror, os zumbis sempre retornam. Mas é certo que a greve
desnudou esse espectro que anda pelos gabinetes de Brasília a falar em nome dos
docentes. E o que se vê por baixo da capa artificial de legalidade que o Estado
tenta lhe vestir é o putrefato cadáver do peleguismo. Morte rápida à entidade
zumbi!
Rio de Janeiro, 11 de junho, 2012.
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